Leandro Quadros

Romanos 12:20 – Brasas vivas sobre a cabeça

romanos 12:20 e brasas vivas sobre a cabeça do inimigo

O que você aprenderá neste post

O que o apóstolo Paulo quis dizer quando aconselhou, em Romanos 12:20, a amontoarmos brasas vivas sobre a cabeça de nossos inimigos?

Primeiramente, veja o que diz o texto na versão Nova Almeida Atualizada (NAA):

Façam o contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber; porque, fazendo isto, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele.’

 

Antes de mais nada, para compreendermos Romanos 12:20, precisamos dar pelo menos três passos e, por segurança, um quarto passo:

  1. Analisar o contexto específico e/ou o contexto imediato do verso, que diz respeito aos versículos que vêm antes e depois de Romanos 12:20.
  2. Avaliar o contexto geral, que envolve, descobrir o que as demais Escrituras ensinam sobre o assunto.
  3. Descobrir a intertextualidade de Romanos 12:20, ou seja: vermos se o texto recebeu a influência de outro texto bíblico.

Neste caso, é fácil perceber que sim: o apóstolo Paulo citou Provérbios 25:21-22. Isso significa que Provérbios 25:21-22 se constitui, diríamos assim, no ponto de partida para a compreensão de Romanos 12:20.

  1. Após essa análise e estudo, será bom consultarmos alguns comentários bíblicos para descobrirmos o que eruditos dizem a respeito. Não se confia cegamente em nenhum autor, porém, precisamos ter humildade e reconhecermos que outros estudaram o texto com mais erudição e que, portanto, devemos ao menos considerar suas hipóteses – mesmo que não venhamos a concordar com elas.

Como dito, em primeiro lugar vamos delimitar o contexto específico.

Romanos 12:20 – Delimitação do contexto específico

O contexto específico pode ser delimitado a partir do verso 9 até o verso 21. Todavia, também é possível delimitar um pouco mais – o contexto específico – pelo fato de mais de um assunto estar sendo tratado neste bloco de texto (9-21).

Neste caso, podemos delimitar a análise a partir do verso 17, chegando ao verso 21, por se tratar do mesmo assunto abordado: não pagar o mal com o mal. Leiamos na versão Nova Almeida Atualizada (NAA):

Não paguem a ninguém mal por mal; procurem fazer o bem diante de todos. Se possível, no que depender de vocês, vivam em paz com todas as pessoas. Meus amados, não façam justiça com as próprias mãos, mas deem lugar à ira de Deus, pois está escrito: ‘A mim pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.’ Façam o contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber; porque, fazendo isto, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele.’ Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem (Rm 12:17-21).

 

Agora daremos os quatro passos, sugeridos na introdução.

#1 – Romanos 12:20 – Breve análise do contexto específico

O contexto imediato, que pode ser delimitado dos versos 17-21, nos mostra o que Paulo pretendia dizer quando disse que devemos “amontoar brasas vivas” sobre a cabeça do inimigo humano. Veja que ideias e ensinamentos extraímos de cada um desses versículos:

  • Verso 17: Não pagar o mal com o mal, mas fazer o bem a todos.
  • V. 18: No que depender de nós (ou seja: o outro é livre para não querer, sendo responsável por tal conduta diante de Deus), devemos viver em paz com todas as pessoas.
  • Verso 19: Não fazer justiça com as próprias mãos, pois isso se configuraria em vingança – algo que Deus incumbiu ao Estado de fazer, não civis ou cristãos (ver Rm 13:1-7).
  • V. 20: Se o inimigo tiver fome ou sede, devemos ajudá-lo.
  • Verso 21: Devemos vencer o mal com o bem.

Desse modo, o contexto nos mostra que Paulo tinha o propósito de ensinar que:

✔️ O amontar brasas vivas sobre a cabeça do inimigo é surpreendê-lo pagando o mal com o bem, ajudando-o em suas necessidades físicas.

#2 – Romanos 12:20 – Breve análise intertextual

Como vimos, Paulo está citando Provérbios 25:21-22, que diz:

Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber, porque assim você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele, e o Senhor recompensará você.

 

O que não se discute é que Salomão está usando uma metáfora. Já o que é discutido é o significado da metáfora.

Só para recordar, “metáfora” é uma figura de linguagem que, assim como as outras, tem a intenção de acrescentar cor e vida ao texto. Neste caso, a metáfora é uma comparação, em que uma palavra “imita” o significado de outra.

Por exemplo: Em Isaías 40:6, é dito que “Toda carne é erva”. Essa linguagem não diz que “carne” e “erva” são a mesma coisa, mas que assim como a erva, o ser humano é passageiro, enquanto a Palavra de Deus permanece para sempre (v. 8). Veja que não foi feita uma afirmação, mas sim uma comparação, para dar vida ao texto e fixar melhor sua ideia na mente do leitor.

Tendo isso definido, a análise intertextual de Romanos 12:20 revela que o apóstolo Paulo recebeu a influência do que Salomão escreveu em Provérbios 25:21-22 (texto lido acima) e que, portanto, ambos os autores tiveram a mesma ideia: ensinar que não devemos pagar o mal com o mal, e sim com o bem.

Ou seja: mesmo que os comentaristas debatam o significado da metáfora, dificilmente alguém questionaria a ideia central apontada acima. Isso significa que os estudiosos discordam quanto às ideias advindas da ideia central e principal.

E se o apóstolo Paulo der uma interpretação diferente ao que Salomão escreveu?

Você pode se perguntar: “E se acontecer de o profeta do Novo Testamento der um significado diferente do pretendido pelo profeta do Antigo Testamento?”

Na realidade, os profetas, sob a inspiração divina, complementam uns aos outros, ao invés de contradizerem.

Afinal, o mesmo Espírito Santo inspirou a todos (cf. 2Tm 3:15-17; 2Pe 1:19-21). Ele é Deus e não pode errar.

Isso quer dizer que, se um profeta atual contradisser ao profeta anterior, este é um falso profeta (Is 8:19-20; Mt 7:15-16; 24:24; Jo 5:46-47; 10:34).

Ou seja: o apóstolo Paulo em Romanos 12:20, por exemplo, nunca iria desmentir o que Salomão escreveu em Provérbios 25:21-22. O máximo que Paulo faz é dar uma aplicação a mais ao texto.

Ele pode fazer isso porque foi profeta. Você e eu, jamais. Afinal, ele foi inspirado. Você e eu, somos apenas iluminados (o que nos basta!).

Portanto, não confundamos os dois conceitos (inspiração e iluminação) para não cairmos na armadilha de nos acharmos autorizados a dizer que o apóstolo Paulo poderia ou não estar dizendo sobre o texto. Seria arrogância de nossa parte.

#3 – Romanos 12:20 – Breve análise do contexto geral

Também é importante analisar o que o restante das Escrituras ensina sobre a vingança para chegarmos à correta interpretação.

Isso significa que, ao adotarmos tal regra de interpretação, estaremos fazendo uso dos métodos do protestantismo conhecidos como Sola Scriptura (Somente a Escritura) e Tota Scriptura (Toda a Escritura).

Por questão de tempo e espaço, na presente análise usarei uns poucos textos bíblicos.

  • Antigo Testamento: “Não procure vingança, nem guarde ira contra os filhos do seu povo, mas ame o seu próximo como você ama a si mesmo. Eu sou o Senhor.” (Lv 19:18, Nova Almeida Atualizada); “Não diga: ‘Vou fazer com ele o mesmo que ele fez comigo; pagarei a cada um segundo as suas obras.’” (Pv 24:29).

Por outro lado, convém destacar que os salmos imprecatórios de Davi – um deles o Salmo 137 – expressam seus sentimentos, sua ira diante de Deus, o que não necessariamente contradiz a doutrina sobre vingança.[1]

Afinal, sentimento não é sinônimo de doutrina.

Desse modo, no Salmo 137 Davi expressa sua lamentação (v. 1-8) e emoção extrema (v. 9). Por isso, no verso 9 ele desejou, sobre os filhos de Babilônia: “Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra.” (Almeida, Revista e Atualizada).

Em suma, esse tipo de salmo nos ensina que, ao mesmo tempo em que não devemos fingir que não sentimos algo, precisamos submeter os sentimentos e vontades à doutrina divina. Veja que o próprio Davi ensina no Salmo 42:10-11 a confiarmos nossa causa a Deus:

Os meus ossos se esmigalham, quando os meus adversários me insultam, perguntando sem parar: ‘E o seu Deus, onde está?’ Por que você está abatida, ó minha alma? Por que se perturba dentro de mim? Espere em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu.

Lição dos Salmos Imprecatórios

Aprendemos com este tipo de Salmo e com os demais, como devemos nos expressarmos diante de Deus em oração e louvor: de maneira franca.

  • Novo Testamento: “O segundo [grande mandamento] é: ‘Ame o seu próximo como você ama a si mesmo.’ Não há outro mandamento maior do que estes.” (Mc 12:31. Veja que Jesus está citando Levítico 19:18, mencionado anteriormente. Leia também Mateus 5:44); “Pois conhecemos aquele que disse: ‘A mim pertence a vingança; eu retribuirei.’ E outra vez: ‘O Senhor julgará o seu povo.’ Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo.” (Hb 10:30-31).

Desse modo, o contexto geral das Escrituras nos mostra que o ensino bíblico sobre vingança é uniforme. Amar os inimigos é não fazer o mal a eles, mesmo que não sintamos amor. É não fazer vingança com as próprias mãos. Afinal, amor é um Ser (Deus), um princípio – não simplesmente um sentimento (1Jo 4:8, 16; 1Co 13).

Além disso, tanto no AT quanto no NT, a Bíblia ensina que não é pecado ficar irado, desde que administremos esse sentimento (Ef 4:26-27), e deixemos a punição do ofensor para Deus (Hb 10:31) e para Estado (Rm 13:1-7), quando isso for necessário.

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#4 – Romanos 12:20 – O que dizem alguns comentários sobre a metáfora

Para finalizar, o último passo na interpretação é conferir se nossas conclusões têm algum embasamento. Para isso, podemos usar alguns bons comentários. É o que farei a seguir:

  • F. Bruce, sobre Romanos 12:20: “Citação de Provérbios 25:21. Paulo omite a frase final: ‘e o Senhor te recompensará’. O sentido original da admoestação talvez fosse: ‘Trate o seu inimigo com bondade, pois isto aumentará a culpa dele; assim você conseguirá para ele um julgamento mais terrível, e para você uma recompensa melhor – da parte de Deus.’ Uma alternativa é entender que o provérbio se refere a um ritual egípcio no qual um homem dava pública evidência do seu arrependimento levando na cabeça uma bacia cheia de carvão em brasa. De qualquer forma, colocando o provérbio neste contexto e omitindo a frase final, Paulo lhe dá um significado mais nobre: ‘Trate o seu inimigo com bondade, pois isto poderá fazê-lo envergonhar-se e poderá levá-lo ao arrependimento’. Em outras palavras, o melhor modo de livrar-nos de um inimigo é torná-lo amigo, e assim vencer ‘o mal com o bem’ (v. 21).”.[2]
  • Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, sobre Romanos 12:20: Brasas vivas. Ver comentário de Pv 25:22. A bondade é a melhor vingança que o cristão pode tomar contra um inimigo. Amontoar brasas vivas sobre a cabeça de um oponente significa um ato de amor, e não de maldade. Isso está indicado, tanto pelo contexto do AT como do NT. Provérbios 25:22 termina com estas palavras, não citadas aqui por Paulo: ‘e o SENHOR te retribuirá’, ou seja, as boas obras praticadas para teu inimigo. Da mesma forma, no presente contexto, o significado geral é resumido nas palavras: ‘Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem’ (Rm 12:21)”.[3]
  • Bíblia de Estudo Nova Almeida Atualizada, sobre Provérbios 25:21-22 (texto paralelo): “Embora os intérpretes discordem sobre o significado da metáfora você amontará brasas vivas sobre a cabeça do inimigo, trata-se provavelmente de uma imagem sobre levá-lo ao arrependimento ou vergonha, o que sugere que ele sentirá a angústia da culpa queimando por dentro devido ao seu erro. Seja como for, a mensagem é muito clara quanto a pagar o mal com o bem (veja Rm 12:17-21). A imagem de “queimar brasas” não significa algo que machuque o inimigo, por causa menção de algo para comer e beber, no v. 21, que lhe fazem bem, e também porque Provérbios proíbe a vingança pessoal (veja 20:22). Finalmente, o SENHOR recompensará você (Pv 25:22) sugere um bom resultado dessas ‘brasas vivas’, que é mais consistente com a ideia de levar a pessoa ao arrependimento”.[4] A mesma Bíblia de Estudo, ao comentar Romanos 12:20 (texto que estamos estudando), reconhece que “brasas vivas” também podem significar castigo (2Sm 22:13; Sl 11:6; 18:8, 12-13; 140:10). Se esse for o caso, Paulo poderia estar sugerindo que Deus castigará os inimigos não arrependidos no dia do juízo.
  • Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora, sobre Provérbios 25:21-22 (texto paralelo): “Ao contrário do que se costuma imaginar, a compaixão para com os inimigos é mais eficaz do que a ira (ver Rm 12:20)”.[5]

Considerações finais

Em resumo: Ambas as explicações da metáfora não são excludentes, mesmo que a primeira interpretação seja mais viável contextualmente.

Concluindo: Isso significa que o propósito de Paulo ao usar a metáfora “amontar brasas vivas sobre a cabeça do inimigo” significa não pagar o mal com o mal.

Essa atitude poderá levar um inimigo a sentir a boa culpa de 2 Coríntios 7:9-10 (que leva ao arrependimento e não à tortura mental) e, consequentemente, a se arrepender.

Certamente, se a pessoa não se constranger de seu erro, Deus “amontoará brasas” sobre tal impenitente, ou seja: irá puni-lo.

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Referências

[1] Quando a Bíblia ensina a punição “olho por olho” (Lv 24:20), ela não nos ensina a fazermos vingança com as próprias mãos, mas apenas que essa lei tem o propósito de ajudar os juízes a aplicarem a punição correta (Dt 19:15-21), proporcional ao crime cometido. Veja que em Mateus 11:20-24 e em Lucas 12:47-48, Jesus ensina que no juízo final, a punição será proporcional. E não poderia ser diferente. Afinal, como Deus puniria na mesma proporção e intensidade a Hitler, que matou mais de 6 milhões de judeus, e um ladrão que não se arrependeu? Desse modo, a ideia de que Jesus “mudou” a lei “olho por olho, dente por dente” em Mateus 5:38-39 (bem como em João 8) é um mito, que não condiz tanto com o contexto geral das Escrituras, nem com a afirmação do Salvador em Mateus 5:17-19: “Não pensem que eu vim abolir a lei de Moisés ou os escritos dos profetas; vim cumpri-los. Eu lhes digo a verdade: enquanto o céu e a terra existirem, nem a menor letra ou o menor traço da lei desaparecerá até que todas as coisas se cumpram. Portanto, quem desobedecer até ao menor mandamento, e ensinar outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no reino dos céus. Mas aquele que obedecer à lei de Deus e ensiná-la será considerado grande no reino dos céus.” (Nova Versão Transformadora). Em breve farei um vídeo sobre o assunto. Pesquise a disponibilidade do mesmo em meu canal no YouTube (https://www.youtube.com/leandroquadrosnt), ou no Rumble (https://referral.rumble.com/QhCG).

[2] F. F. Bruce, Romanos: Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 1979), p. 186-187. Série Cultura Bíblica.

[3] Francis D. Nichol, ed. da versão em inglês; Vanderlei Dorneles, ed. da versão em português. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, vol. 6 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 687. Série Logos.

[4] Bíblia de Estudo Nova Almeida Atualizada (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018), p. 1101-1102. Ver se nota de Provérbios 25:21-22.

[5] Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora (NVT) (São Paulo: Mundo Cristão, 2018), p. 1026. Ver nota de Provérbios 25:21-22.

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Sobre o Autor
Prof. Leandro Quadros

Com mais de 20 anos de ensino sobre a Bíblia em igrejas, congressos e programas de TV e rádio, desenvolvi diversos conteúdos – e-books, audiolivros e cursos; para compartilhar os meus aprendizados e tornar acessíveis temas teológicos complexos.

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