Leandro Quadros

Batismo Pelos Mortos (1Coríntios 15:29)

1Coríntios 15:29 – “Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles?

A explicação deste verso é das mais difíceis do Novo Testamento, porque os expositores ficam quase sempre no terreno das hipóteses.

Uma distintiva doutrina dos Mórmons está baseada em 1Coríntios 15:29. Afirmam eles: “Sendo que o batismo é essencial para a salvação, e que muitos morreram antes da restauração da igreja por Joseph Smith, é essencial que os vivos sejam batizados pelos mortos que faleceram sem o conhecimento do Evangelho. Esse batismo por imersão, realizado pelo morto, é creditado em seu registro como se fosse realizado por ele mesmo”.

Os estudiosos têm apresentado muitas explicações tentando solucionar o que Paulo quis dizer nesta passagem, chegando os comentaristas a afirmarem que nenhuma passagem do Novo Testamento tem produzido tantas interpretações.

Para que haja real compreendo do problema é necessário que a análise seja firmada nas doutrinas bíblicas, sem a qual alguns têm chegado a conclusões absurdas.

Antes da exegese do texto é muito útil saber o seguinte: quem o pronunciou; sob que circunstâncias ele foi escrito; com que objetivo Paulo escreveu a Primeira Carta aos Coríntios Atos 20:31; 1Coríntios 16:8.

Corinto era uma cidade rica, populosa e muito imoral, situada ao sul da Grécia. Durante 18 meses, Paulo ali esteve estabelecendo uma grande igreja. Depois de partir, surgiram múltiplos problemas, e a finalidade da Carta era ajudá-los na sua solução. O assunto geral da Epístola é o modo correto do bom procedimento cristão. Dentro deste objetivo se encontra o tema do capítulo 15, onde ele apresenta, de modo leal e franco, a verdade da ressurreição.

Uma leitura atenta de todo o capítulo 15, ou o contexto desta intrigante passagem para exegetas e comentaristas, é muito útil para a sua exata compreensão. Observe especialmente os versos 1 a 6, 12 a 16 e o 32.

Embora estas afirmações sejam úteis para nossa análise, admitamos com Vincent: “Nenhuma das explicações propostas está livre de contestação”.

O Comentário Bíblico Adventista, vol. 6, pág. 887, afirma:

“Na busca de uma compreensão da passagem, é preciso considerar que Paulo ainda trata da ressurreição, e qualquer sugestão deve estar estritamente relacionada ao tema principal da capítulo 15. Além disso, uma interpretação razoável precisa estar em harmonia com a tradução correta da frase em grego ‘hyper ton nekron’ (pelos mortos). Há um consenso geral de que ‘hyper’ (pelos) significa, neste caso, ‘em favor dos’”.

O original, muitas vezes, nos ajuda na resolução do problema. No grego se encontra: baptizomenoi uper twn nekrwn – baptizomendi hyper ton nekron.

Desta frase, a palavra que nos interessa mais é a preposição ‘hyper’. Ela rege o genitivo e o acusativo, estando aqui regendo o genitivo. Neste caso, a tradução será: “por”, “em favor de”, “por causa de”.

Das explicações visando solucionar o problema, as principais, incluindo as do Comentário Bíblico Adventista, são as seguintes:

1ª) As traduções bíblicas mais comuns para o português são a “Almeida Revista e Corrigida” e a “Almeida Revista e Atualizada“. Embora ambas tenham o mesmo autor, o Padre João Ferreira de Almeida, o leitor notará que os comentaristas apresentam pontos de vista diferentes baseados nas duas traduções. A “Revista e Atualizada” (ARA) apresenta: “por causa dos mortos”; e a “Revista e Corrigida” (ARC) afirma: “pelos mortos’.

“Por causa dos mortos”, isto é, como resultado do testemunho que deram enquanto vivos, ou ao morrerem. Mesmo que esta exegese seja válida, aqueles que se batizavam por causa do testemunho daqueles que já haviam morrido, eles próprios não acreditavam na ressurreição do corpo. Assim sendo, o apóstolo aqui condena este vão procedimento.

2ª) Uma segunda corrente afirma que crentes vivos eram batizados em lugar de crentes mortos, porque estes, por alguma razão, não puderam ser batizados. É possível que alguns desses crentes tivessem falecido repentinamente, devido a alguma praga ou outra ocorrência funesta, não tendo assim a oportunidade de se batizarem.

3ª) O Comentário de Adam Clarke sobre esta passagem é mais ou menos o seguinte: Depois de afirmar que é o verso mais difícil do Novo Testamento e apresentar várias interpretações, ele enfatiza esta: Paulo emprega a palavra “batismo” como sinônimo de dores, de sofrimento, que os apóstolos estavam sofrendo pelo fato de pregarem o evangelho, com a esperança de ressuscitarem um dia, à semelhança de Cristo, para herdarem a vida eterna. A palavra “batismo” neste verso é usada no mesmo sentido de Marcos 10:39 e Lucas 12:50.

4ª) De acordo com The Pulpit Commentary, “batismo”, nesta passagem, é o batismo do Espírito Santo, referindo-se portanto à conversão da alma pelo Espírito de Deus.

Em outras palavras, devemos compreender a expressão “batismo pelos mortos” como uma referência àqueles que das trevas pagãs foram convertidos pelo evangelho e admitidos na igreja, a fim de ocuparem o lugar de crentes que pelo martírio ou qualquer outra razão tinham morrido. Assim, o batismo ou a conversão compensava as perdas causadas pela morte.

5ª) Ainda uma outra sucinta ideia defendida com ardor por vários estudiosos é que a palavra “mortos” neste passo se refere a Cristo, sendo usado o plural pelo singular (sinédoque) significando – “por causa do Morto”, isto é, “por causa de Cristo”. No original está “mortos”, e é difícil vermos como Cristo poderia representar uma “categoria” inteira de pessoas. Além disso, Cristo não está morto, mas bem vivo, como a passagem ensina.

6ª) É uma explicação sugerida por aqueles que defendem a tese de que não havendo pontuação no original, ao colocarem esses sinais, houve uma distorção naquilo que Paulo realmente desejou dizer.

O Dr. W. E. Vine apresenta a seguinte solução: “Lembrados de que o original foi escrito sem pontuação, podemos pôr o sinal de interrogação depois da palavra ‘batizados’ e então o versículo adquire sentido de acordo com a doutrina da Escritura. Assim, ler-se-á: ‘Que farão os que são batizados? É para os mortos. Se os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles?’”

Vejamos agora a interpretação sugerida pelos estudiosos adventistas, de conformidade com o Comentário Bíblico Adventista, vol. 6, págs. 887 e 888, ao comentarem 1Coríntios 15:29:

Doutra maneira. Paulo volta a sua linha de raciocínio principal sobre a ressurreição. Os que se batizam por causa dos mortos. Esta é uma das das passagens difíceis dos escritos de Paulo. Comentaristas elaboraram 36 tentativas de solucionar os problemas suscitados por este versículo, sendo que a maioria das sugestões não é relevante. […] Sugerem-se três possíveis interpretações:

1ª) A passagem deve ser traduzida como ‘o que farão então os que são batizados? [São eles batizados] pelos mortos? Se os mortos não ressuscitam de forma alguma, por que são batizados? Por que também corremos perigo a toda hora por eles?’ Essa tradução, embora possível, não explica de modo satisfatório a frase ‘por causa dos mortos’.

2ª) Paulo está se referindo a um costume pagão pelo qual crentes vivos eram batizados em nome de parentes e amigos mortos que não tinham sido batizados, que então supostamente seriam salvos por esse ato. Os pais da igreja fazem várias referências a essa prática, citando o costume dos hereges marcionistas. Além disso, Tertuliano se refere ao festival pagão ‘Kalendae Februariae’, em que os adoradores se submetiam a uma purificação na água em favor dos mortos (Contra Marcion, verso 10). Marcion viveu em meados do 2º século d.C. Para este segundo ponto de vista é necessário supor que a prática data dos dias de Paulo. Levantou-se a objeção de que o apóstolo dificilmente citaria uma prática pagã ou herege em apoio a uma doutrina cristã fundamental. Mas Paulo de modo algum apoia essa prática. Portanto, em essência, poderia estar dizendo: ‘Até os pagãos e hereges afirmam sua fé na esperança da ressurreição, e se eles têm essa esperança, tanto mais nós’. Jesus usou o relato do rico e Lázaro como contexto para uma parábola, embora não apoiasse sua aplicação literal.

3ª) É possível interpretar o verso 29, com base no contexto (versos 12 a 32), como outra prova para a ressurreição: (a) As palavras ‘doutra maneira’ se referem ao argumento dos versos 12 a 28 e podem ser parafraseadas como: ‘mas se não há ressurreição’. (b) A palavra ‘batizam’ é usada de forma figurada, significando exposição a um perigo extremo ou morte (como em Mateus 20:22 e Lucas 12:50). (c) A expressão ‘os que se batizam’ se refere aos apóstolos, que constantemente enfrentavam a morte ao proclamar a esperança da ressurreição (1Coríntios 4:9-13;conforme Romanos 8:36; 2Coríntios 4:8-12). Paulo escreveu esta epístola em Éfeso e, devido às dificuldades que enfrentou ali, declarou que estava ‘a perigo a toda hora’ (1Coríntios 15:30), que tinha se desesperado ‘até da própria vida’ (2Coríntios 1:8-10) e que morria dia após dia (1Coríntios 15:31). (d) Os ‘mortos’ do verso 29 são os cristãos mortos dos versos 12 a 18 e, potencialmente, todos os cristãos vivos, que, de acordo com alguns de Corinto, não tinham esperança além da morte (versos 12 e 19). Segundo essa interpretação, o verso 29 poderia ser parafraseado assim: ‘mas se não há ressurreição, o que devem fazer os mensageiros do evangelho, se continuamente encaram a morte em favor de pessoas destinadas a perecer na morte de qualquer forma?’ Para eles, seria tolice (verso 17) enfrentar a morte para salvar outros, ‘se mortos não ressuscitam’ (versos 16 e 32). A constante coragem dos apóstolos em face da morte é uma importante evidência de sua fé na ressurreição.

Muitas passagens bíblicas declaram que não é possível, como ensinam alguns, que cristãos sejam batizados em favor de parentes e amigos mortos. A pessoa deve crer em Cristo e confessar seus pecados para poder ser batizada e salva (Atos 2:38; Atos 3:36 e 37; conforme Ezequiel 18:20-24; João 3:16; 1João 1:9). Mesmo os justos ‘salvariam apenas a sua própria vida’ (Ezequiel 14:14 e 16; conforme Salmos 49:7). A morte marca o fim da provação e das oportunidades humanas (ver Salmos 49:7-9; Eclesiastes 9:5, 6 e 10; Isaías 38:18 e 19; Lucas 16:26; Hebreus 9:27 e 28)”.

Conclusão: O livro Consultoria Doutrinária, da Casa Publicadora Brasileira, pág, 246, comentando esta passagem, conclui: “Uma das soluções mais razoáveis do texto em lide é o que o apóstolo Paulo, ao debater a doutrina da ressurreição, cita um costume pagão ou herético de sua época, se bem que não o aprova”.

Finalizo com a sintética explicação apresentada a este versículo em A Bíblia Vida Nova: “Há umas quarenta interpretações. Seria uma prática sem fundamento bíblico que Paulo aproveita para mostrar a incoerência dos seus oponentes em Corinto”.

Livro: Explicação de Textos Difíceis da Bíblia, de Pedro Apolinário

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4 respostas

  1. Olá, Leandro.
    Pesquisando sobre esse assunto, achei um artigo que trata da passagem de 1Co 15.29
    Gostaria que você o lesse com a mente aberta e me dissesse o que pensa sobre tal.
    https://www.jw.org/pt/publicacoes/revistas/w20031001/Perguntas-dos-Leitores/#?insight%5Bsearch_id%5D=38a4e6f7-e847-4f00-91cb-712ca8c40d43&insight%5Bsearch_result_index%5D=0
    OBS: Eu sei que você não é TJ e não concorda com a maioria dos ensinamentos delas. Mas essa explicação me pareceu bem sólida e o contexto fica bem encaixado com essa opção de tradução em específico.
    Se puder acrescentar essas informações, creio que seu artigo não perderá a qualidade.
    Tenha Paz!

    1. Eu,sou evangélico,e achei nesse link a resposta que eu,tinha em minha mente como a mais plausível,porém não muito esclarecida,neste link,acho que das TJ,me esclareceu melhor sobre está passagem de 1 coríntios 15,29, obrigado

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Sobre o Autor
Prof. Leandro Quadros

Com mais de 20 anos de ensino sobre a Bíblia em igrejas, congressos e programas de TV e rádio, desenvolvi diversos conteúdos – e-books, audiolivros e cursos; para compartilhar os meus aprendizados e tornar acessíveis temas teológicos complexos.

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