Leandro Quadros

Filhos: deve-se amar mais ao cônjuge do que a eles?

Deve-se amar mais a esposa ou o esposo do que aos filhos?

Tenho visto alguns cristãos afirmarem que “o cônjuge é mais importante dos que os filhos”. Outros, dizem que “se deve amar mais ao cônjuge do que a eles”.

Para começar, percebo pelo menos três coisas em tal afirmação:

  1. Boa intenção.
  2. Negação da realidade do que se passa internamente.
  3. Falta de apoio bíblico.

 

Todavia, peço que leia até o final, porque irei lhe explicar os motivos de minhas impressões.

Boa intenção

Sem dúvidas, essa afirmação é feita por muitos cristãos bem-intencionados. Afinal, eles querem ensinar a importância da hierarquia, de marido e mulher terem seus papeis bem definidos (Ef 5:21-31), a fim de que o casamento e a família sejam funcionais (Ef 6:1-4), tornando-se assim uma bênção para os filhos.

Qualquer pessoa com o mínimo de sensatez sabe que famílias funcionais se constituem na base para a felicidade e prosperidade da igreja e da sociedade.

Certamente, tal intenção é bem-vista por Deus.

Porém…

Negação da realidade interior

No fundo, quase ninguém (sempre há exceções) sente um amor mais intenso por outro alguém do que por um filho. O que se experimenta por um filho é diferente de tudo aquilo que um ser humano já experimentou a nível de relacionamento interpessoal com outros humanos.

Por que é assim? Basicamente, isso acontece porque há uma diferença importante entre amor primário e amor secundário.

  • O amor primário é aquele entre Deus e nós, e entre pais e filhos. Em sua natureza, esse tipo de amor não exige uma relação de troca. Ama-se (obviamente, sem aceitar erros), mesmo que um filho não corresponda às expectativas e cause grandes decepções.
  • Por sua vez, o amor secundário é o amor para com outras pessoas – como o cônjuge, por exemplo. Esse tipo de amor em sua natureza exige troca.

 

Por mais que o casamento deva ser eterno (Mt 19:6; Mc 10:7), num contexto pós pecado o amor secundário não sobrevive se não existir troca. Se marido e mulher não decidirem se amar mutuamente, fazendo uso da linguagem do amor do outro; se não alimentarem este amor diariamente através de “pequenos” gestos, e se não se abastecerem na FONTE DE AMOR – DEUS – (1Jo 4:8, 16) – tais pessoas deixarão de amar.

Sendo assim, é óbvio que o tipo de amor, e a intensidade do que se sente por um filho é muito diferente daquilo que sentimos pelo nosso cônjuge.

Negar isso é negar a realidade. É se iludir “em nome da Bíblia e do cristianismo”.

Falta de apoio bíblico

Por falar na Bíblia, ela nos apresenta várias metáforas que ilustram a relação entre Deus e os seres humanos. O objetivo é nos ajudar a entendermos uma “fagulha” do Seu amor para conosco.

Nas metáforas em que Ele se identifica como “marido” (Is 54:5), “pai” (Mt 6:9) e com o cuidado de uma “mãe” (Is 49:15; cf. Mt 23:37), já vemos que não há base bíblica para supormos que “devemos amar mais o cônjuge do que os filhos”. Portanto, é evidente que, em tais analogias, aprendemos algumas coisas sobre Seu amor e caráter que nos impedem de aceitarmos racionalmente o que alguns cristãos sinceros têm defendido.

Detalharei um pouco mais:

=> Para exemplificar a íntima relação entre Ele e Seu povo, Deus se compara a um marido, que cuida e ama sacrificalmente Sua esposa, a ponto de morrer por ela (Ef 5:27-29).

=> Para exemplificar a íntima relação entre a Trindade, Deus decidiu se referir à 2a Pessoa da Divindade como “Filho” (veja o significado disso em João 5:18 e 19:7), mesmo que o Salvador seja “Pai da eternidade” (Is 9:6) e “Autor da Vida” (At 3:15).

Seja honesto: Com base em tais metáforas, é possível definir biblicamente e de forma objetiva, quem na relação “deve ser mais amado” ou quem “é mais importante”?

Não é possível.

Uma das maiores provas bíblicas

Se parar para pensar um pouco mais, verá que a melhor ilustração do que significou para a Trindade se separar, foi o pedido que Deus fez a um pai (Abraão) oferecer um filho em sacrifício (Isaque). Ou seja:

“Para nos ensinar sobre Seu amor eterno em se oferecer para salvar o ser humano da morte eterna (Rm 3:23; 6:23), em Gênesis 22 Deus não pede para Abraão sacrificar a esposa Sara, mas ao filho Isaque.”

 

Deus sabia que, para Abraão, era muito mais difícil sacrificar o filho do que a esposa. 😂 Por isso, pediu o filho… 

Ou seja: se o Senhor não ignora essa realidade humana, por que alguns cristãos tentam disfarçá-la? Certamente há várias razões até mesmo ocultas para isso. Porém, foje do propósito do presente post analisar esse aspecto.

Além disso, se para exemplificar Seu infinito amor pela humanidade Deus inspirou o apóstolo a escrever que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito…” (Jo 3:16), como afirmar dogmaticamente que “o cônjuge deve ser mais amado do que um filho”?

Em suma: para ensinar aos filhos sobre o papel deles no lar, e dar-lhes noções de hierarquia na família, parece-me extremamente desnecessário afirmar para eles que “a mamãe e o papai amam mais um ao outro”, ou que “mamãe e papai são os mais importantes”. Até mesmo porque não há respaldo bíblico nem teológico para isso.

Além, claro, de não condizer com a realidade do coração.

Algumas sugestões de como ensinar os papeis na família

Sendo assim, até o momento acredito que o correto a se fazer é:

  1. Não deixar de cuidar do seu casamento por causa dos filhos. Afinal, se você quer ter filhos saudáveis, seu casamento não pode ser “jogado para escanteio”! Esse é um erro comum – e perigoso. O livro de Cantares, por exemplo, ensina direitinho como cuidar da vida conjugal e sexual. Se isso lhe interessar, cliquei aqui e conheça meu livro.
  2. Ensinar aos filhos que todos na família têm a mesma importância, e que à luz da cruz (veja-se as metáforas mencionadas), a hierarquia não está relacionada à “importância”, mas à função.
  3. Não ter medo de expressar o amor incondicional pelos filhos. Afinal, isto é amor primário e foi Deus quem o fez assim.
  4. Ser claro ao ensinar aos filhos que os princípios do Decálogo (Êx 20:1-17; Dt 5:1-21) são inegociáveis (Mt 5:17-19) e que, se eles errarem, devem erguer a cabeça e não pararem de crescer em santidade (Hb 12:14). Além disso, nunca devemos deixar de ensiná-los que, graças ao sacrifício substitutivo de Cristo e ao Seu ministério Sumo Sacerdotal (Hb 4:14-16; 7:25-26; 8:1-2), eles podem contar com o amor e perdão de Jesus todos os dias (1Jo 1:9; 2:1-2).
  5. Explicar que papai e mamãe têm papeis sagrados, e uma autoridade que lhes foi concedida por Deus, o Pai Supremo (Êx 20:12).
  6. Reforçar que papai é sacerdote do lar e que, se for um homem de verdade, segundo o coração de Deus, estará disposto a morrer pela mamãe se isso for preciso (Gl 5:22-29). Sim: uma das melhores maneiras de amar os filhos é amar a mãe deles.
  7. Deixar claro que mamãe é a rainha do lar, que pais e filhos têm o mesmo valor, e que ela respeita o papai em sua função de sacerdote do lar (Ef 5:21-22). Além disso, mostrar no dia a dia que ambos não têm “partido” em relação aos filhos. Ou seja: concordam na educação, e acerca de todos os princípios da Palavra de Deus que precisam fazer parte da vida da família, para que esta seja um canal de bênçãos.
  8. Mostrar que os filhos são “súditos” desse lar amoroso e que devem obediência aos pais, se quiserem ter vida longa (Ef 6:1-2) e não serem tolos (Pv 10:1). Ao mesmo tempo, tal obediência precisa ter uma condição: deve ser no Senhor (Ef 6:4; cf. At 5:29), de modo que se um pai ou mãe exigem de um filho que “negue ao Pai Supremo”, nesse caso os pais não só podem, como devem ser desobedecidos.
  9. Não ter receio de dizer que os filhos são o fruto mais lindo do amor entre papai e mamãe (Sl 127:3). Se um cônjuge “exigir” que se ame mais a ele do que aos filhos, isso é indício de carência afetiva, algo que certamente precisa ser tratado com psicoterapia.

Em resumo…

Pare de mentir para si mesmo, e tire de suas costas uma carga desnecessária.

Para educar seus filhos nos caminhos de Deus, e ensiná-los sobre hierarquia, e imprimir neles a importância dos papeis de cada membro da família; para ensinar que mamãe e papai estão em total acordo na educação deles, e que os filhos precisam obedecer aos pais no Senhor (etc.), não precisa mentir para si mesmo, dizendo que você “ama mais a mamãe ou o papai do que a eles”.

Afinal, “quem veio primeiro” é o que menos importa – se a árvore, o fruto ou a semente. Quem “vai embora de casa e quem fica”, também é o que menos importa, se parar para pensar bem. Isso porque, aos filhos saírem para conquistar a independência deles, precisam lembrar que o melhor do lugar do mundo foi a companhia de mais amorosos e cristãos e que, portanto, dali para frente, eles devem proporcionar o mesmo para os filhos deles.

Muito mais pode ser dito sobre isso. Todavia, por quanto fico por aqui.

Além disso, estou fazendo uma reflexão com o intuito de contribuir – e não de me intrometer na vida familiar de ninguém.

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3 respostas

  1. Amor é amor!

    Não consigo entender essa questão que muitos cristãos defendem quem se deve amar mais ou quem se deve amar menos na sua família, isso não existe.

    No amor não há hierarquia, não há líder e nem subalternos. Se ama e pronto!

    É simples assim!

  2. Olá Prof Leandro. Cheguei aqui pois tenho a sensação de que EGW dá essa ideia de que é necessário amar mais o cônjuge do que aos filhos.
    Me equivoquei, ou quem me citou isso se enganou?

    Grande abraço, orando por vc sempre.

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Sobre o Autor
Prof. Leandro Quadros

Com mais de 20 anos de ensino sobre a Bíblia em igrejas, congressos e programas de TV e rádio, desenvolvi diversos conteúdos – e-books, audiolivros e cursos; para compartilhar os meus aprendizados e tornar acessíveis temas teológicos complexos.

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