Leandro Quadros

Aborto e a Menina de 10 anos: Dilema Difícil

Aborto, uma decisão difícil

Neste post apresentarei resumidamente a posição bíblica sobre o aborto. Também darei uma sugestão de como uma pessoa deve lidar com tal de dilema vivido por aquela criança.

Peço que leia o artigo e depois veja o vídeo correspondente até o final antes de tirar qualquer conclusão. Também sugiro que leia o próximo post, onde responderei a uma alegação do YouTuber Felipe Neto. Nela ele afirma que se alguém tem uma opinião diferente da dele em relação ao episódio do aborto, tal pessoa não mais humana. Mas “apenas uma ferramenta da maldade teocrática em busca do poder”. Em conclusão, na opinião de Neto esse cristão “representa o martelo, não a Cristo”.

A Bíblia e o aborto

Não há dúvidas de que a Bíblia condena o aborto. Todavia, não há um texto bíblico sequer que trate desse caso excepcional em questão. Não vemos uma orientação bíblica para casos excepcionais, como o de uma criança que engravida após um estupro e incesto. Isso deveria nos manter humildes para que não falássemos “pelos cotovelos”. Ainda mais desconhecendo a dor e o estrago emocional pelo qual a vítima está passando. Imagine uma mãe ver sua criança com outra criança crescendo no ventre. Se for uma boa mãe, certamente ficará traumatizada com uma coisa dessas. É algo difícil até de se imaginar…

Alguns dos princípios bíblicos contrários ao aborto se encontram nos seguintes textos :

  • Êxodo 21:22-23 – Deus manda executar um homem que seja responsável pelo aborto.
  • Êxodo 23:7 – Deus não aceita que o inocente morra como se fosse culpado. E um feto é inocente.
  • Jeremias 1:5 e Isaías 49:1 – Deus mantém uma relação com o feto, comunicando-lhe vida e tendo planos para a vida da criança.
  • Salmo 139:13-16 – Deus acompanha toda a gestação, pois a vida que ele reparte com alguém é sagrada.

Além disso, no Novo Testamento vemos que Deus não faz diferença entre o feto e a criança nascida. O termo grego brephos, traduzido por “criança” em Lucas 1:41, refere-se a João Batista no ventre de sua mãe Isabel. A mesma palavra é usada em Lucas 2:16 em referência à criança já nascida, neste caso Jesus Cristo.

Portanto, para o Criador, tirar a vida de um feto é o mesmo que tirar a vida de uma criança que já nasceu. Isso deveria de certo modo assustar as cerca de 50.000 pessoas que todo mês pesquisam na internet por palavras do tipo “como abortar”. Afinal, creiam ou não, essas 600.00 pessoas que anualmente fazem esse tipo de pesquisa, terão de passar por um juízo final.

“Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2Co 5:10).

“Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Rm 14:12).

O que fazer diante de tal dilema?

Há cristãos e não cristãos que não apoiam o aborto mesmo em casos de estupro e/ou incesto. Outros, são a favor somente em tais circunstâncias excepcionais.

Acredito que a opinião de ambos os grupos deve ser respeitada. Obviamente, desde que os que opinarem tenham bom senso e sejam amorosos na forma de se expressarem. Isso para que não aumentem ainda mais a carga da vítima, que já é pesada demais. Só Deus e a vítima entendem realmente pelo que ela está passando. Por isso, um certo silêncio nesse tipo de caso seria “ouro”. É importante refletirmos no texto a seguir para sabermos se estamos opinando como Cristo o faria:

“Evite as controvérsias tolas e inúteis, pois você sabe que acabam em brigas. Ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim, ser amável para com todos, apto para usar, paciente. Deve corrigir com mansidão os que se opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento verdade, para que assim voltem à sobriedade e escapem da armadilha do Diabo, que os aprisionou para fazerem a sua vontade (2Tm 2:23-26).

Por outro lado, devemos ter humildade e reconhecermos que não temos todas as respostas para todos os dilemas da vida. Nossa mente é limitada diante da complexidade da existência humana.

Além de limitados, temos uma visão distorcida da realidade. E mais ainda: fazemos parte de um conflito cósmico entre Cristo e Satanás (Ap 12:7-12), em que há soldados de Cristo que saem feridos, enquanto outros, mortos. (Apenas por um momento. Veja João 6:40; 11:25; Ap 14:13).

Por minha experiência de vida creio que só podemos fazer uma leitura correta da história através da doutrina do conflito cósmico. E fazendo uso das lentes da cruz de Cristo, “o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1Co 1:24). Quando analiso realidade humana dessa forma, consigo respostas mais satisfatórias a certas questões éticas, existenciais e filosóficas. Apesar de não encontrar todas as respostas, sei que isso não significa que elas não existam. Simplesmente as desconheço e preciso continuar buscando-as.

Infelizmente para alguns, “a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1Co 1:18). Todavia, garanto que quem se aventurar a interpretar a história dessa forma; quem analisar esse tipo de acontecimento terrível à luz da Cruz, encontrará respostas bem mais satisfatórias para os dilemas que enfrentamos ao longo da vida. Além disso, verá muito mais lógica nos acontecimentos, e sentido para sua própria existência.

Dessa forma, o que podemos fazer em meio a um dilema como esse, é analisar o fato à luz da Bíblia, do conflito cósmico e da cruz. Assim, podemos buscar algum princípio que possa nos orientar. Isso deve ser feito com responsabilidade e bom senso, qualidades também ensinadas nas Escrituras. Entretanto, isso não significa em hipótese alguma que a ciência da psicologia deva ficar de lado. Muito pelo contrário!

Uma Abordagem Bíblica e Equilibrada

Em minha opinião, a análise mais equilibrada já feita sobre esse tipo de caso (gravidez resultante de um estupro e/ou incesto) se encontra no livro Declarações da Igreja. Essa obra apresenta a posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre esse e outros assuntos polêmicos. A declaração sobre o aborto se encontra nas páginas 219-222.

Em resumo, a obra diz que “os adventistas desejam lidar com a questão do aborto de maneira que revelem fé em Deus como Criador e Mantenedor de toda a vida e de modo que reflitam a responsabilidade e a liberdade cristãs”[1].

Diz também que “o ideal de Deus para os seres humanos atesta a santidade da vida humana, criada à imagem de Deus, e exige o respeito pela vida pré-natal”. Além disso, o livro destaca muito bem que “as decisões sobre a vida devem ser feitas no contexto de um mundo caído”. E que “o aborto nunca é um ato de pequenas consequências morais”.

Enfim, o documento considera o aborto “um dos trágicos dilemas da degradação humana”, e que este “somente deveria ser praticado por motivos muitos sérios” [2]. E que quer dizer com isso o referido documento? Veja o item 4:

“A igreja não deve servir como consciência para os indivíduos; contudo, ela deve oferecer orientação moral. O aborto por motivo de controle natalício, escolha do sexo ou conveniência não é aprovado pela igreja. Contudo, as mulheres, às vezes, podem se deparar com circunstâncias excepcionais que apresentam graves dilemas morais ou médicos, como: ameaça significativa à vida da mulher gestante, sérios riscos à sua saúde, defeitos congênitos graves cuidadosamente diagnosticados no feto e gravidez resultante de estupro ou incesto. A decisão final quanto a interromper ou não a gravidez deve ser feita pela mulher grávida após o devido aconselhamento. Ela deve ser auxiliada em sua decisão por meio de informação precisa, princípios bíblicos e a orientação do Espírito Santo. Por outra lado, essa decisão é mais bem tomada dentro de um contexto saudável de relacionamento familiar… Assim, qualquer tentativa de obrigar as mulheres, quer a manter ou a interromper a gravidez, deve ser rejeitada como violação à liberdade pessoa”.[3]

O Que a Igreja Não Está Dizendo Com Isso

  1. O fato de crer que essa posição da obra Declarações da Igreja seja a mais equilibrada, não significa que a instituição religiosa da qual faço parte seja a favor do aborto. (Praticado por outros motivos egoístas). Muito menos contrária que somos contrários aos movimentos cristãos que dão às mulheres estupradas todo apoio espiritual e psicológico de que precisam. Com tal apoio elas decidem ter a criança (ou não) para adoção. Logo, essas instituições cristãs precisam ser respeitadas. Afinal, fazem um trabalho de restauração espiritual e emocional da mãe. E acreditam na dignidade da vida humana.
  1. Ao mesmo tempo, assim como o referido documento, creio que ninguém tem de se intrometer na vida dos outros. Nem se manifestar em nome do cristianismo com o intuito de pressionar a criança ou sua família a tomarem qualquer tipo de decisão. Para tais pessoas, o conselho de Paulo em 2 Tessalonicenses 3:11-12 será extremamente útil. Veja: “Pois ouvimos que alguns de vocês estão ociosos; não trabalham, mas andam se intrometendo na vida alheia. A tais pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e comam o seu próprio pão”.
  1. Por outro lado, qualquer opinião que não considere o poder das influências pré-natais sobre a criança que iria nascer é incompleta. Até perigosa, além de desumana.

Desde já recomendo a leitura do livro Mente, Caráter e Personalidade, vol. 1, de Ellen G. White. Mais especificamente o capítulo 16, intitulado “Influências Pré-natais”. O capítulo 17, com o título “Hereditariedade e Ambiente”, também será muito útil nesse tipo de análise.

Compartilharei dois trechos para nossa reflexão, mesmo que não tratem do aborto em si:

Os pensamentos e sentimentos da mãe terão poderosa influência no legado que ela faz a seu filho. Se ela permite que os próprios pensamentos se demorem em seus sentimentos, se condescende com o egoísmo, se é irritadiça e exigente, a disposição de seu filho testificará desse fato. Assim, muitos receberam como patrimônio tendências quase invencíveis para o mal”.[4]

“Se a mãe é privada do cuidado e conforto que lhe devem ser proporcionados, se se consente exaurir as forças em trabalho excessivo ou por ansiedade e tristeza, seus filhos são privados de força vital, da elasticidade mental e da jovialidade que poderiam herdar. Muito melhor seria tornar a vida da mãe feliz e contente, pô-la ao abrigo de necessidades, trabalho fatigante e deprimentes cuidados, fazendo com que seus filhos herdem boa constituição, e possam abrir caminho na vida por suas próprias forças e energias”.[5]

Com base nessas informações, que tipo de sentimentos, carga hereditária, energia vital e elasticidade mental uma “mãe” de 10 anos pode transmitir a um bebê? Lembre-se que ela foi violentada e estuprada desde os 6 anos de idade, e está cheia de ansiedade, tristeza e outros sentimentos avassaladores. 

Longe de servir de consciência moral para você, quero apenas que reflita e ore a respeito. Considere que num mundo caído (Gn 3), em que seres humanos têm uma natureza corrompida (Rm 3), em boa parte das vezes não conseguiremos viver o ideal de Deus. Isso será plenamente possível apenas quando formos glorificados, e  não mais vivermos na presença do pecado (cf. Fp 3:20-21; 1Co 15).

É por isso que existiu a cruz, e existe um Cristo ressurreto, intercedendo pelo ser humano no santuário celestial (Hb 8:1-2; 1Jo 2:1-2). A presença do vitorioso Jesus no santuário dá a cada um de nós novas chances perante Deus, e novas oportunidades diante da vida, para acertamos naquilo que erramos:

“Não matarás [o feto]” (Êx 20:13)

“Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23).

“Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.
Assim sendo, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4:14-16).

Em suma, oro para que Deus ajude essa menina a se recuperar. Para que ela seja devidamente acompanhada por um médico competente. Peço a Deus que ele seja amparada por um(a) psicoterapeuta. E que tal profissional mescle a ciência da psicologia com a ciência da Palavra de Deus. Oro para que ela aprende a conviver com esse terrível trauma e a seguir em frente.

Oro também para que um dia a justiça brasileira puna os crimes hediondos como o Criador e Justo Juiz deseja que sejam punidos. Com a morte. Isso só após devido julgamento (ver Gn 9:6; Êx 21:11-14; Nm 35:30,31,33; Romanos 13:1-5). Afinal, a cruz é tão incrível que ao mesmo tempo em que provê amor e perdão aos piores criminosos (ver 2Cr 33:1-20), não tira as consequências dos crimes praticados por eles (Lc 23:42-43). Ou seja: a morte de Jesus equilibra a balança do amor e da justiça. “Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram.” (Sl 85:10).

Afinal, é através da verdadeira educação e da atuação do interna do Espírito Santo (Jo 3; 16:8-10; Rm 2:4) que a imagem de Deus pode ir sendo reconstruída no ser humano. Tal educação envolve amor, ensino e disciplina. Para que uma educação holística possa surtir efeito, o criminoso deve parar de ser tratado como “vítima” da sociedade (cf. Rm 2:14-15).

Enfim, este é assunto para outro post que concluirei em breve…

No próximo post (e vídeo), analisarei uma declaração do YouTuber Felipe Neto. Ele afirma que o cristão que se posiciona contra esse tipo de aborto é “apenas uma ferramenta da maldade teocrática em busca do poder”.

Referências

[1] Igreja Adventista do Sétimo Dia. Declarações da Igreja: aborto, assédio sexual, homossexualismo, clonagem, ecumenismo e outros temas atuais, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 219.

[2] Ibid.

[3] Ibid., p. 220. Grifos acrescidos.

[4] Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade, vol. 1, 5ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 132.

[5] Ibid., p. 133.

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8 respostas

  1. No Evangelho segundo Lucas, há a passagem do Bom Samaritano, o texto bíblico é Lc 10, 25:37, ali há um Cristo filantropo e caridoso que parece contar uma história real, que de fato ocorreu, no ocorrido com a menina de 10 anos, faltou filantropia para com uma menina que está apenas começando uma fase da vida, que é a adolescência. Oremos para que esta menina viva com saúde diante de uma sociedade que cultiva o preconceito. Quando deveria cultivar a filantropia ensinada Lc 10,25:37.

  2. Abriu muito minha mente quando a esse cãso ( da garotinha) eu não tinha ia certeza do meu coração do quer seria certo , mas me ajudou muito seu vídeo. Deus abençoe. Sou Adv do 7 dia , tenho 46 anos , tenho muito que aprender ainda. Obrigada

    1. Oi, Edna: fico satisfação em poder lhe ajudar a refletir sobre esse tipo de dilema que, infelizmente, muitas crianças vivem por causa de criminosos. Obrigado por seu comentário e tenha uma feliz semana.

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Sobre o Autor
Prof. Leandro Quadros

Com mais de 20 anos de ensino sobre a Bíblia em igrejas, congressos e programas de TV e rádio, desenvolvi diversos conteúdos – e-books, audiolivros e cursos; para compartilhar os meus aprendizados e tornar acessíveis temas teológicos complexos.

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